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O último voo do falcão

Foi na madrugada do dia 23 de dezembro que nosso querido pastor emérito recebeu o esperado abraço do Pai. Aquele, a quem serviu durante longos anos, decidiu por convocá-lo para deixar o kronos e entrar no kairós. Agora, o escritor das Parábolas Vivas viverá novas histórias, nas quais todos os finais serão felizes. O autor das parábolas está diante do Autor da Vida.

Pastor Falcão foi um homem com múltiplas habilidades. Falava e escrevia bem. Mas algo que sempre me chamou a atenção foi a rara mistura de doutrinador e evangelista. Talvez porque possuísse duas grandes paixões: a Bíblia e as almas perdidas. A primeira vez que o ouvi pregar fiquei intrigado. O tempo que lhe estava disponível era curtíssimo. Um “finalzinho de culto”. Ele, rapidamente, apresentou Jesus como Salvador e fez um apelo. Naquela época já era um ancião, mas estava vivaz, teve presença de espírito, leitura do ambiente e rapidez de raciocínio! Pessoas começaram a levantar as mãos atendendo ao chamado.

Fui embora do culto, maravilhado com “aquele velhinho da cabeça branca que pregou”. Refletindo depois, a analogia que fiz foi a do pregador e o centroavante goleador. Muitas vezes o atacante fica ali, meio que sumido no jogo, mas de repente o disparo em velocidade e o chute certeiro. A cantoria já estava meio enfadonha, parecia que não iria acontecer mais nada de novo, mas o evangelista aguardava uma oportunidade para lançar uma flecha de vida. Ele não poderia “perder viagem”. Até hoje sou influenciado por aquela noite de pesca maravilhosa.

A faceta do doutrinador se mostrou evidente ao longo do seu pastorado. Basta conversar com algumas de suas ex-ovelhas para perceber clareza na compreensão das doutrinas fundamentais do Novo Testamento. Como amante das escrituras, tinha prazer de discorrer sobre temas bíblicos. Sua aptidão para o ensino não se limitou às lições orais. Foi profícuo escritor. Escreveu muito. Seus livros, estudos e artigos abençoam milhares de pessoas.

Mas havia outro aspecto muito interessante que o caracterizava: era uma figura que inspirava. Inspirava jovens ao pastorado. Inspirava casais a uma vida de companheirismo e amor devotado. Inspirava crentes à santidade de vida. Sua simples presença influenciava positivamente. Era uma presença forte. Com ele por perto parece que as pessoas se sentiam desestimuladas a fazer o que era errado.

Há um aspecto de sua conduta que me vejo na obrigação de expor. Quando deixou o pastorado para se aposentar, a Primeira Igreja Batista de Irajá concedeu ao Pr. Falcão o título de pastor emérito. Com isso, freqüentemente, eu sou abordado por alguém perguntando sobre como era nossa relação. Lembro-me de um jovem pastor que falando baixinho me perguntou: “E a presença do Falcão, não te atrapalha?”. Imediatamente respondi: “Nunca! Pr. Falcão jamais atrapalha!” Ele sempre ajudou. Viveu comigo, na prática, o que sempre ensinou nos seus anos de magistério teológico. Era homem de ética ilibada. Só fazia comentários a meu respeito que fossem positivos. Dono de uma perspicácia rara, soube me dar bons conselhos, sempre que solicitei. Não foi intrometido, inconveniente, nem oferecido. Nunca teve necessidade de ressaltar seus feitos para se mostrar superior a mim. Decidiu ir a Irajá somente se convidado por mim.

Quando implantei algumas mudanças, em momentos em que muitos ressaltavam que “no tempo do Pr. Falcão não era assim”, ele me disse: “Siga em frente! É isso mesmo!” Uma ocasião me citou o seguinte adágio: vassoura nova varre os cantos! Prossiga, pois a igreja precisa disso!

Certa vez vivemos uma situação curiosa. Ele havia me dado uma sugestão. Quando a implantei um irmão ligou para sua casa dizendo que minha atitude era uma sandice. O irmão esperava que o Pr. Falcão me convencesse que eu estava errado. Eu e ele ficamos sorrindo do caso.

Por fim, preciso destacar o que considero a moldura de ouro de sua vida: casamento. Seu relacionamento conjugal com D. Zênia foi um primor. Juntos eram a mão e a luva, a corda e a caçamba, a fronha e o travesseiro, o colar e o pescoço. Era algo tão emblemático que não é incomum, numa conversa com algum casal da igreja, alguém citar Pr. Falcão e dona Zênia como exemplos de vida. Ali eu pude ver com clareza o que é um pastor que tem em sua escala de valores Deus em primeiro lugar, sua família em segundo e a igreja em terceiro. Esses foram os grandes amores de João Falcão Sobrinho: Jesus, família e igreja. Necessariamente nesta ordem. Ele foi um servo de dona Zênia. Considerava tudo como secundário, se “Zênia” precisasse dele.

Mas o Falcão voou. Voou para casa. Voou para o Pai, para o descanso. Voou para ficar perto do seu maior amor: Jesus Cristo.

João Emílio Cutis Pereira – Pastor da Primeira Igreja Batista de Irajá-RJ

*Originalmente na página 5 d’O Jornal Batista de 11 de janeiro de 2015.
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